VOCÊ SABE O QUE É ORTODOXIA?
Por Eguinaldo Hélio de Souza
Você sabe o que é ortodoxia? Se não sabe precisa saber, pois a nossa fé precisa ser ortodoxa. Nossas crenças não são um conjunto de ideias particulares que escolhemos ao nosso gosto. Elas são um conjunto de afirmações que buscam se alinhar do modo mais exato possível com aquilo que o próprio Deus revelou em sua Palavra. Não basta crer. É preciso crer no que é verdadeiro. Deus disse muitas coisas e tudo o que Ele disse é verdadeiro. “Santifica-os na verdade. A Tua Palavra é a Verdade” (Jo 17.17). Embora sejamos seres emotivos e não apenas intelectivos, a verdade jamais pode ser baseada em nossos sentimentos, por melhor que pareçam. É preciso inteligência e compreensão para entendermos, definirmos e nos apropriarmos das verdades divinas.
Ortodoxia é uma palavra de origem grega. Vem de orthós, reto e doxa, opinião. Daí surge a ortodoxia como “crença correta”. Crença correta é aquela que está conforme a verdade. Por exemplo, se eu acredito que o fogo é frio, a luz é escura e a água é seca, não estou crendo em fatos. A realidade não se ajusta àquilo que acredito. Ortodoxia cristã é a crença que se ajusta à realidade revelada.
Assim, se acredito que Jesus é um simples profeta, que Deus é impotente ou enganador ou que eu posso ser salvo bebendo chá feito com os chifres de um unicórnio, minha fé não é ortodoxa. E por que não? Porque não se adequa às verdades reveladas das Escrituras, realidades que foram reveladas por Deus ao longo dos anos. “Homens santos falaram movidos pelo Espírito Santo” (2 Pd 1.21). Seus escritos, verdadeiros em todas as suas declarações, servem de baliza para aquilo que creio ou deixo de crer. Minha fé é ortodoxa na medida em que se ajustam a essa revelação.
Pontos inegociáveis
Isso não significa que todos os cristãos pensam igual, pois a uniformidade é impossível. Significa que há um círculo de verdades que são inegociáveis, que qualquer pessoa que afirme seguir a Cristo, e que afirme ser ortodoxo em sua fé, deve crer nisso. Pois se qualquer coisa for cristianismo, então nada é cristianismo. Se o mero rótulo sem conteúdo é suficiente para definir alguém como seguidor de Jesus Cristo, então estamos muito mal.
Alguém dizer que crê em Deus não basta. Esta palavra já está recheada de ideias que nada tem a ver com o Deus verdadeiro que se auto revelou na história. Dizer que crê em Jesus, basta menos ainda. Jesus é um nome usado por diversos grupos religiosos e ideológicos que têm ideias muito diferentes sobre quem Ele é e sobre o que Ele fez. Mesmo a palavra “salvação” só terá sentido se a pessoa explicar salvação do quê e para quê.
A Bíblia como única fonte de autoridade confiável para ensinar as coisas divinas; Jesus como o Deus Filho feito homem para levar nossos pecados sobre a cruz; a sua ressurreição e vitória permanente sobre a morte; a pecaminosidade e condenação geral de todo gênero humano; a impossibilidade do ser humano salvar-se a si mesmo através de suas obras; a necessidade de crer em Cristo e em sua obra como meio pelo qual a graça salvadora de Deus se manifesta em nossas vidas. Esses são apenas alguns pontos que devem permanecer intocados se alguém se diz seguidor de Jesus Cristo. Sem isso não há ortodoxia, não há cristianismo de fato.
Se a doutrina cristã não for ensinada, a fé se reduzirá a nada mais do quem conjunto abrangendo chavões, sentimentalismo religioso, clichês espirituais e suposições vazias. Sem um forte ensino, a fé cristã é vazia. O primeiro fator essencial da nossa fé é a ortodoxia. [1]
Amor, tolerância e ortodoxia
O catolicismo foi tão longe em sua defesa daquilo que ele chamava de ortodoxia, que pessoas que discordavam de seus dogmas sofriam condenações que podiam levar à morte. Por causa dessa atitude extrema, criou-se um clima onde qualquer defesa vigorosa daquilo que se acredita é visto como uma violência. Discordar das crenças e práticas religiosas ou morais de alguém tornou-se “discurso de ódio”, embora os que se dizem vítimas de tais discursos, eles mesmos se oponham ferrenhamente aos que deles discordam.
Uma falsa ideia de tolerância tem se estabelecido, onde discordância e intolerância são vistas como sinônimos. Discordar da crença do outro é visto como agressão. Chamar de mentira declarações religiosas é considerado falta de respeito. Não acredita-se mais na existência da verdade ou pelo menos na possibilidade de conhece-la. Por isso, qualquer declaração religiosa deve ser aceita como verdadeira, mesmo que quando duas supostas verdades colidam! Isso não é tolerância. É suicídio intelectual!
O amor cristão com certeza nos levará a respeitar a crença do outros. Todavia, a verdade cristã me levará a discordar de muitas crenças de muitos outros. Isto porque a revelação cristã acredita na verdade e que só a verdade redimirá o homem. Quando um médico procura persuadir um índio de que penicilina pode salvá-lo da infecção e não a fumaça esborrifada por um pajé em seu nariz, ele não está sendo intolerante. Está sendo coerente com a verdade que aprendeu. Quando dizemos que o perdão está em Cristo e não em beber sangue de animais, por exemplo, estamos fazendo a mesma coisa. Respeitar as crenças não é transformá-las em verdades. É conviver com elas, mesmo cientes de que são falsas. A tolerância ou intolerância não anula a natureza das coisas. O falso tolerado continua falso. O verdadeiro intolerado permanece verdadeiro.
A fé cristã cruza barreiras raciais, étnicas, sociais, linguísticas e nacionais. Ela inclui todos os grupos de pessoas, de toda nação, tribo, povos e línguas (Ap 7.9). Sua membresia é inclusiva e diversa, mas seu sistema de crenças é exclusivo e dogmático.[2]
Além da ortodoxia
Com certeza ter uma fé ortodoxa não é tudo. Mas tudo deve começar com uma doutrina ortodoxa. Não podemos defender um cristianismo sem coração, mas também não podemos defender um cristianismo sem cérebro. Verdade e amor não são excludentes, mas complementares e até essenciais uma ao outro. O Deus que é Amor (1 Jo 4.16) também é o Deus que é a Verdade (Dt 32.4). De fato, em muitas ocasiões o equilíbrio entre ambos não é fácil. Ainda assim é necessário.
Alguém já disse que o samaritano não perguntou a crença do homem caído na estrada. Simplesmente o ajudou. Isso é cristianismo. Da mesma forma, Jesus demonstrou seu amor pela mulher samaritana, mesmo assim não concordou com as crenças dela (Jo 4.20-23). Isso também é cristianismo.
Entretanto, o que acreditamos sobre Deus e suas verdades, pode permanecer muito ortodoxo, mas de nada valerá se não provocar em nós ações corretas e nos conduzir aos sentimentos corretos. Amar, servir, perdoar, ajudar, suportar, também faz parte da vida cristã. Precisamos de ortodoxia, mas precisamos ir além da ortodoxia.
A soberba que nasce em um coração por saber e defender a doutrina correta não deixa de ser errada. De que te aproveita discorrer profundamente sobre a Trindade, se não és humilde e assim desagradas a mesma Trindade? Prefiro sentir arrependimento a saber-lhe a definição.[3] Cristianismo ortodoxo é cristianismo verdadeiro, mas cristianismo verdadeiro é muito mais que cristianismo ortodoxo.
Cristianismo sem trilhos, corpo sem ossos
Um trem não anda sem seus trilhos, um corpo humano não se move sem seu esqueleto. Ainda que oculta, é a estrutura óssea que define e que sustenta o corpo humano. Da mesma forma, nem sempre a fé ortodoxa transparece diretamente em um sermão. Todavia, aquele que prega precisa ter por trás das palavras calorosas e inflamadas, as verdades divinas bem definidas e em harmonia com a Palavra de Deus.
Precisamos avançar em nossa vida cristã, mas não compensa avançar fora dos trilhos. A graça e o amor de Deus que me movem, devem mover-me em meio a compreensão clara e definida de quem é esse Deus e do que é essa graça. Devem se desenvolver dentro das verdades divinas. Do contrário o conteúdo se perderá por estar em vasilhas erradas.
Eu sei “em que” tenho crido
Cremos em uma Pessoa, uma Pessoa Divina. E cremos em tudo aquilo que foi revelado por essa Pessoa. Sua infalibilidade me garante que tudo o que ela me revelou é verdadeiro. E qualquer afirmação que contrarie o que ela disse é falso. Por isso, ao longo da minha caminhada como cristão, eu preciso ter cada vez mais claro e definido aquilo em que creio. Isso irá me distinguir daqueles que usam as vezes as mesmas palavras que eu, todavia, com sentido bem diverso.
O que creio sobre a Bíblia? O que creio sobre Deus? Sobre Jesus, sobre o Espírito Santo? O que é um ser humano? O que é pecado, salvação? O que preciso fazer para ser salvo? Como será o futuro? Como agrado a Deus? São perguntas essenciais de cuja resposta depende meu destino eterno. Não são perguntas matemáticas ou gramáticas, cujas definições erradas têm pouca ou nenhuma implicação. O que creio sobre isso relaciona-se ao meu destino eterno e por isso não posso me dar ao luxo de errar.
Concluindo
Um cirurgião que não tem bem definida em sua mente a anatomia do corpo humano ao iniciar uma operação delicada estará colocando em risco a vida de seu paciente. Seus conhecimentos sobre o funcionamento do organismo devem ser verdadeiros, do contrário, seu paciente se tornará uma vítima. Você não se colocaria nas mãos de um médico que acredita que você possui três estômagos ou que não precisa de sangue para sobreviver. Seria um louco e não um médico.
Todavia, muitas pessoas têm colocado seu destino eterno nas mãos de pessoas com crenças erradas. Kardec falou com espíritos cuja identidade ele não tinha como confirmar. Maomé ouviu um espírito que se dizia Gabriel sem que o próprio Maomé tivesse certeza disso. E, no entanto, bilhões de pessoas confiam suas crenças a fontes duvidosas para não dizer definitivamente mentirosas. Ao invés da “sã doutrina” (Tt 1.9), isto é, o ensino sadio, elas o trocam por falsas revelações e falsas interpretações. Na verdade, sequer se preocupam com a fonte e o sentido daquilo que dizem crer.
Há caminhos que para o homem parecem
direitos, mas no fim são caminhos de morte (Pv 14.12). Não basta o meu
parecer. Aquilo que somente parece ser a verdade divina, jamais será suficiente
para me conduzir até Deus. Eu preciso de sua verdade exata para ter uma fé
exata que me levará até sua eterna presença.
[1] BRUYN, David de, A Igreja conservadora. São Paulo: Editora Batista Regular, 2015, p.
[2] FARINACCIO, Joseph R. Fé com razão. Brasília: Monergismo, , 2009, p. 17
[3] KEMPIS, Thomaz. Imitação de Cristo, PAUMAPE Livro I, 1.3
Comentário
GESSÉ GUSTAVO
Excelente explanação sobre o assunto, Deus continue abençoando sua vida, Grato pela leitura.
greciane
Que texto fenomenal, amei!