Introdução

As transformações da era Darwin

“As relações geológicas que existem entre a fauna atual e a fauna extinta da América meridional, assim como certos fatos relativos à distribuição dos seres organizados que povoam este continente, impressionaram-me profundamente quando da minha viagem a bordo do navio Beagle, na qualidade de naturalista”.

Com estas palavras, Charles Robert Darwin começa seu célebre livro A origem das espécies por meio da seleção natural do mais apto, obra que mudou o mundo.

Charles começa narrando a sua viagem ao redor do planeta no navio Beagle, viagem que transformaria sua vida e forneceria os elementos centrais para a formulação de sua teoria.

Darwin criou um verdadeiro alvoroço, quando, em 1859, lançou o livro Teoria da evolução das espécies por meio da seleção natural dos mais aptos. Não apenas o aspecto científico, mas também os aspectos filosófico e religioso, derivados desse escrito, teriam enorme influência sobre o mundo a partir de então. As ideias propostas por ele já eram correntes há muito tempo, mas ele lhes forneceu munição científica. Agora, o mundo jamais seria mais o mesmo.

Segundo Darwin, os seres eram resultantes de outros seres de características inferiores. A origem de uma espécie estava em outra menos evoluída. Essa evolução acontecia porque, em determinada espécie, havia características que facilitavam sua sobrevivência. Assim, o lagarto que conseguisse saltar mais rápido teria mais chance de sobreviver que os mais vagarosos. E isso, por meio de um processo que levou milhões de anos, criou esta cadeia que iria de um primitivo ser vivo, semelhante a uma água viva, até o ser humano, tal qual o conhecemos. Isto era o que ele definia como “a sobrevivência dos mais aptos”.

Esse processo é a chave do pensamento do Darwin. Com a sobrevivência dos mais aptos e a eliminação dos menos aptos, os seres iriam de formas mais simples a formas mais complexas. A luta pela sobrevivência imporia essas transformações aos seres vivos. Não percebemos isso porque o processo exige milhares, senão milhões de anos para que as mudanças sejam perceptíveis. Só esse fato em si já exige uma grande dose de imaginação e criatividade para explicar o modo exato como as transformações ocorreram, já que é impossível reproduzir as condições e os fatos reais que supostamente teriam produzido a mudança.

O próximo passo de Darwin foi encaixar o homem em sua teoria. Porque o homem também era o resultado dessa evolução. Isto explicaria o homem como o resultado de uma evolução animal. Não existe nenhum valor especial no ser humano. Ele apenas progrediu mais que os demais seres. Ontologicamente, homem e animal são iguais em tudo. O homem teria apenas uma inteligência mais evoluída.

Darwin continuou a elaborar sua teoria pelo resto da vida. Em 1871, publicou A descendência do homem, que ampliava sua ideia muito além de sua manifestação física inicial. Segundo Darwin, a evolução incluía traços morais e espirituais. Nela, afirmava a igualdade da expressão das emoções no homem e nos animais, que demoliu qualquer distinção biológica entre os seres humanos e os animais. Embora Darwin não tenha colocado a coisa com estas palavras, era definitivamente o que se poderia concluir disto. Suas teorias causariam influência sobre a visão do mundo e do homem, muito mais do que ele poderia imaginar.

Entretanto, essa visão de mundo não começou com Charles Darwin. Na verdade, esse conflito não era nada novo. Outros pensadores, ao longo do tempo, questionaram sobre as origens dos seres vivos. Na verdade, durante muitos séculos houve um debate filosófico que pode ser descrito como conflito entre o “fixismo” e o “transformismo”. Os primeiros acreditavam que, embora transformações pudessem ocorrer na natureza, eram limitadas pela própria natureza dos seres. O transformismo, por sua vez, via na mudança constante a grande característica do Universo.

O escritor latino Lucrécio (99 a 55 a.C), por exemplo, teria escrito, em sua obra intitulada  Da natureza: “A evolução do mundo inteiro é fruto do tempo; as coisas passam, necessariamente, de um estado a outro, e nada permanece semelhante a si mesmo; tudo se vai, tudo se altera, tudo se metamorfoseia pela vontade da natureza. Esta existência se transforma em pó ou se enfraquece pela velhice, enquanto outra cresce em seu lugar, saída do lodo. É, pois, assim, que o mundo evolui no tempo e que a terra caminha de estado em estado”.

Claro que isto ainda estava longe do evolucionismo de Darwin. Entretanto, a ideia de transformação na natureza não era nova. Ideias evolutivas, como, por exemplo, origem comum e transmutação de espécies existiram pelo menos desde o século VI a.C., quando foram examinadas também pelo filósofo grego Anaximandro de Mileto. Outros que consideraram esas ideias incluem o filósofo grego Empédocles, o biólogo árabe Al-Jahiz, o filósofo persa Ibn Miskawayh e o filósofo oriental Zhuang Zi.

À medida que o conhecimento biológico aumentou, no século 18, ideias evolutivas foram propostas por alguns filósofos como Pierre Louis Maupertuis, em 1745, e Georges-Louis Leclerc (conde de Buffon) entre 1749 e 1778.

O mais interessante de todos, porém, foi o avô de Darwin, Erasmus Darwin, homem de energia intelectual ilimitada e alguma originalidade. Juntamente com Wedgwood, James Watt, o inventor da máquina a vapor, e Benjamin Franklin, o estadista e inventor americano, Erasmus formou a Sociedade Lunar, associação científica sediada em Birmingham, superada apenas pela Real Sociedade (apesar da indiscutível reputação coletiva de seus membros). Embora isso seja questionável, credita-se a Erasmus Darwin a primeira explanação séria da evolução — mesmo tendo deixado de aprofundar a ideia, o que se deveu, em parte, ao fato de ter escolhido um meio pouco propício à análise cerebral para divulgar suas ideias.

Erasmus Darwin foi um dos primeiros cientistas sérios desde Lucrécio (séc. I a.C.) a optar pela divulgação de suas ideias sob a forma de um poema épico. (Na realidade, Jorge III quase o fez poeta laureado, até que se descobriu que Erasmus acreditava na abolição da realeza).

Jean-Baptiste Lamarck (1744 – 1829) também concebeu uma forma inicial de evolução. (Na realidade, a estátua de Lamarck, nos Jardins de Luxemburgo, em Paris, chauvinisticamente o proclama “fundador da evolução”.) Independentemente do avô de Darwin, Erasmus, e alguns anos depois dele, Lamarck formulou a ideia de que as espécies de animais e plantas não eram estáticas, mas evoluíam.

Ao contrário de Erasmus Darwin, ele decidiu apoiar sua ideia em algo mais convincente do que a inspiração poética e buscou analisar as implicações de suas ideias, embora os resultados fossem quase igualmente poéticos. Em sua opinião, o traço constitutivo da evolução era o meio ambiente. Como, por exemplo, no gato doméstico. A diferença entre o gato salivador selvagem da montanha e o gatinho ronronador doméstico devia-se unicamente à diferença de seus meios ambientes.

A natureza era capaz de induzir todos os tipos de mudança nos animais. Por exemplo, a girafa tinha um pescoço longo porque, durante gerações, tentara alcançar as folhas altas. Isso levou Lamarck a pensar que “as características adquiridas são herdadas”, ou seja, as habilidades desenvolvidas por uma geração podiam ser transmitidas à próxima. Isso soa bastante plausível, especialmente quando se considera algumas famílias, como a dos Bach e a dos Borgia. Mas a ideia não resiste a um exame mais detalhado. Roderigo Borgia (papa Alexandre VI) não transmitiu sua crueldade política a seus filhos César e Lucrécia. O que estes herdaram foi uma propensão familiar ao vício e à amoralidade, que utilizaram para desenvolver suas próprias habilidades políticas.

De qualquer forma, o que Charles Darwin fez foi conferir às teorias anteriores uma aura de ciência. A forma como ele abordou a questão saciava a fome por lógica daquela geração. E, ainda que ele mesmo tenha admitido ser inconclusivo e aguardasse que o futuro trouxesse as provas necessárias para sua teoria, a maneira como a expôs foi suficiente para dar-lhe credibilidade.

Em suas proposições iniciais, devemos lembrar que Darwin não estava negando a criação divina ou, menos ainda, a existência de Deus. No entanto, algumas consequências de suas teorias eram inevitáveis. A partir de suas ideias, outras surgiram em áreas distintas. O choque com o cristianismo e a religião em geral era inevitável.

Como podemos ver, a ideia de evolucionismo não é nova. Nova é a abordagem aparentemente científica conferida pela obra de Charles Darwin. A explicação apresentada por ele teve implicações muito além da biologia. Na verdade, o darwinismo pôde ser colocado ao lado de outras grandes questões envolvendo a ciência, como, por exemplo, a teoria heliocêntrica de Galileu, ou as leis da gravitação universal de Isaac Newton.

Independente da veracidade da teoria de Darwin, ela se estabeleceu no meio acadêmico de forma monopolística e, desde então, sua influência atingiu os mais diversos campos do conhecimento e da prática. Não apenas a biologia, mas a política, a psicologia e a própria religião foi por ela atingida. Tornou-se, sem dúvida alguma, a “explicação oficial” para a existência da vida na terra.

A grande questão é: o darwinismo é incontestavelmente verdadeiro? Suas afirmações sobre a origem da vida e do homem são verificáveis a ponto de ser inadmissível qualquer contestação? Pode-se apontar fatos que demonstram sua falibilidade? Se ela não é confiável, por que, então, é ensinada em todas as universidades e escolas como fato comprovado e não como teoria a ser verificada? Existem outras teorias paralelas que devem ser levadas em consideração? É verdade que o criacionismo é só religião e o evolucionismo, ciência no mais estrito sentido do termo?

Responder a essas perguntas é vital. Milhões de pessoas, diariamente, são expostas a essa teoria como sendo uma verdade absoluta. Para alguns, pode parecer mais uma entre tantas teorias científicas, quando, na verdade, atrelada a ela há uma infinidade de conceitos e visões de mundo que não corresponde exatamente ao que é o mundo e a humanidade. Mesmo que muitos desses conceitos e cosmovisões não sejam explícitos, são facilmente dedutíveis ou são a conclusão óbvia.

É bem provável que, ao expor suas ideias, Darwin não tivesse a mínima noção do que resultaria disso. Ele não era um ateu militante como são hoje os que empunham sua teoria como uma espécie de evangelho. Ele não era um racista procurando um álibi para suas discriminações. Ele era como muitos, uma mente inquieta procurando explicações para a origem da vida e do homem. Ele era alguém com uma mente científica procurando responder à grande questão da vida inserida na pergunta:  “De onde viemos?”. A resposta que julgou ter encontrado fazia gosto à filosofia naturalista e ao mundo secularizado que o cercava. Seu mundo e seu tempo estavam cercados por um cristianismo mais cultural do que real, que, no fundo, ansiava por uma forma científica de contrapor os absolutos bíblicos.

Claro que há muito de científico em tudo aquilo que envolve a evolução. Há verdades em toda a teoria. Ainda assim, nem tudo é ciência. Há muito de crença envolvida. Nem tudo é verdade. Fraude e mentira também fizeram parte da história do darwinismo. As buscas pelos elos perdidos já levaram os cientistas por muitos becos obscuros e sem saída.

A maioria das pessoas que ouve a respeito do evolucionismo não sabe tudo o que está envolvido na questão. Mas ela se coloca como verdade absoluta e inquestionável de nosso mundo secularizado e nós, cristãos, corremos o risco de nos sentirmos diminuídos, como se as nossas convicções sobre a criação do mundo e do homem não merecessem a mesma credibilidade. Faltaria à nossa Bíblia uma “sanção científica” em um mundo onde a ciência ganhou o direito de bater seu carimbo de “válido” ou “inválido” sobre tudo o que se crê e faz.

Entretanto, as coisas não são bem assim. Há mais de crença do que de ciência no darwinismo. Existem inúmeras lacunas que não foram preenchidas. Embora o evolucionismo de Charles Darwin tenha-se colocado a responder a uma das maiores perguntas da vida, na verdade não respondeu de forma satisfatória, antes, criou novas perguntas sem respostas e, na verdade, criou em torno de si uma aura de infalibilidade que o impede de reconhecer suas fraquezas. Todavia, devemos admitir que seu monopólio assusta, em parte devido à blindagem criada ao seu redor, em parte porque a igreja nem sempre se propôs a enfrentar o tema de forma corajosa e bem elaborada.

Para conclusão, um pensamento de Phillip E. Johnson, um dos maiores defensores do Design Inteligente, sobre a evolução: “A evolução seria um fato somente em uma escala muito pequena. É fantasia quando usada para explicar como as plantas e os animais passaram a existir ou como os seres humanos supostamente evoluíram de ancestrais semelhantes a macacos. Podemos resumir a fantasia dizendo que onde a teoria da evolução é verdade, não é muito interessante, e onde é muito interessante, não é verdade” (Evolução, fato ou fantasia? — Bíblia de Estudo Defesa da Fé).

No livro Darwin e a evolução em 90 minutos, Paul Strathern sintetizou o conflito citando o debate entre T. H. Huxley e o bispo de Oxford: “T. H. Huxley envolveu-se num cáustico debate público com o bispo de Oxford, no qual foi indagado se descendia do macaco pelo lado do avô ou da avó, pergunta que se tornaria famosa. O público riu, mas Huxley ganhou o dia. Sua vitória nesse debate lançou-o numa nova carreira de divulgador das ideias de Darwin”.

De fato, não foram poucos os debates em torno do assunto. Acirradas disputas entre cientistas evolucionistas e apologistas cristãos tiveram início e perduram até hoje.

O julgamento do macaco

No dia 21 de julho de 1925, foi finalizado um dos casos mais rumorosos e filosóficos do judiciário norte-americano. O julgamento durou onze dias e foi o primeiro a ser transmitido por rádio para o país inteiro. Também virou filme de sucesso — Inherit the Wind [“O vento será sua herança”], de 1960. O chamado Julgamento do Macaco (“Monkey Trial”) foi a ação que o Estado do Tennessee moveu contra o professor de biologia John Thomas Scopes, de 25 anos, acusado de ensinar a teoria da evolução em uma escola pública da minúscula cidade de Dayton.

Os meios de comunicação deram enorme cobertura ao caso e ganhá-lo tornou-se uma obsessão para ambas as partes. Durante o processo, o juiz John Raulston não permitiu que o advogado Clarence Darrow — militante da União Americana pelas Liberdades Civis e um dos mais famosos oradores dos EUA — chamasse cientistas “como testemunhas” em favor da teoria da evolução. Ao final, Scopes, que teve contra si outra celebridade, o advogado William Jennings Bryan, um democrata candidato por três vezes à presidência dos EUA, foi condenado a uma multa de 100 dólares. Bryan fez uma defesa apaixonada do criacionismo.

O juiz Raulston utilizou-se de bom senso no julgamento de tão longínquo caso e, não obstante o fato de o júri ter apontado o professor Scopes como “culpado”, impediu que o veredito fosse cumprido em razão de “erros técnicos” no processo. A pena dele fora o pagamento de 100 dólares, um montante que seria de aproximadamente R$ 2.700,00 em nossos dias.

Como consequência do julgamento, cristãos e cientistas passaram a disputar, com mais afinco, a preferência da população, o movimento antievolucionista ganhou força e a pressão pelo ensino de ciências no colégio também. Na cultura, algumas peças de teatros e alguns filmes foram produzidos com base no julgamento e em suas consequências.