Centro de Ensino Teológico Saber e Fé

Verdadeira e falsa espiritualidade

O pensamento moderno tem feito grande esforço para validar qualquer tipo de expressão religiosa, para nivelar como iguais todas as formas de espiritualidade existentes. Jesus Cristo, em seu diálogo com a samaritana descreveu dois elementos essenciais em uma adoração válida: espiritualidade e verdade.

A exemplo dos profetas do Antigo Testamento, um culto meramente exterior é rejeitado. Sem buscar uma opinião única do que seja “adorar em espírito” e respeitando os diferentes entendimentos não fica qualquer dúvida de que um serviço aceitável a Deus requer uma atitude interior, uma expressão íntima que vai além de formas e ritos. Isaías (1.11,12; 29.13), Amós (5.21-23) e mesmo Davi (Sl 51.16,17) haviam expressado a importância de algo mais do que a obediência externa.

Todavia a afirmação de Jesus não inclui apenas a espiritualidade, pretensa ou real, mas também a verdade. Isto significa que uma adoração, para ser autêntica, deve corresponder a certos fatos, deve preencher certos requisitos que correspondam com a realidade. Religiosidade, ou mesmo o termo atualmente em voga “espiritualidade”, não significa uma adoração real e verdadeira.

Muito do vácuo do materialismo do século 19 foi preenchido por uma espiritualidade não bíblica, impregnada de elementos budistas e hindus, muitas vezes anticristã, quando marginaliza a cultura judaico-cristã ocidental: “Todavia, existem diferenças capitais entre o propósito transcedental que as Escrituras judaico cristãs exemplificam na prática, e o despertamento religioso e o conceito de Deus do misticismo oriental e Nova Era.”1

Earle E. Cairnes, em sua obra “Cristianismo através dos séculos”, faz uma boa descrição em um parágrafo sobre a espiritualidade, descrevendo os tipos de misticismo correntes na História da Igreja, comparandos-o com a espiritualidade bíblica: “Pode-se dizer que há três tipos de misticismo. Há um tipo epistemológico de misticismo em que a ênfase é colocada sobre a forma como o homem conhece a Deus. Aqueles que aceitam este tipo de misticismo entendem que todo conhecimento que temos de Deus é imediato e vem a nós diretamente pela intuição ou pela iluminação espiritual. A razão e em alguns casos, até mesmo a Bíblia subordinam-se à luz interior. Os grandes místicos medievais, os quietistas católicos do século 17 e os quakers tiveram esta mesma compreensão. Outros seguem um tipo metafísico de misticismo, em que o espírito do homem é visto como sendo absorvido misticamente num ser divino através de várias experiências sucessivas. Após a extinção de sua personalidade pela morte, o espírito do homem integra-se ao espírito divino. Os neoplatonistas, alguns místicos mais extremados da Idade Média e os budistas (também os hinduístas – acréscimo do autor) adotaram este tipo de misticismo, Ao contrário, a Bíblia propõe um misticismo ético e espiritual, no qual o indivíduo se relaciona com Deus através de sua identificação com Cristo e a atuação do Espírito Santo.”2

Espiritualidade sem Jesus

“Quem tem o Filho tem a vida; quem não tem o Filho de Deus não tem a vida.” (1Jo 5.12)

Qualquer espiritualidade que exclua Jesus é vã. Ninguém chega ao Pai se não for por ele (João 14.6). Quando a Bíblia fala em buscar a Deus, não está se referindo a um conceito vago dentro do qual se encaixa qualquer conceito da divindade. Está falando do Deus das Escrituras, que se revelou na história de Israel e por fim em Cristo, Deus Filho encarnado. Adorar a Deus, servir a Deus, crer em Deus, só pode ser aceito dentro desta visão específica. E este Deus só é atingível através de Jesus Cristo. Um Deus que seja uma mera força cósmica ou algo parecido não é o nosso alvo.

Depois de 2.000 anos de cristianismo, se faz necessário também especificar quem é Jesus. Novamente não estamos falando de um Cristo indefinido, dentro do qual cabe qualquer figura com qualquer atributo a quem se resolva dar este nome. Falamos do Jesus Cristo do Novo Testamento. A espiritualidade da Nova Era fala em “consciência crística”, no avatar Jesus e por fim separa Jesus de Cristo, ou seja, Jesus teria sido o homem que recebeu o Cristo, à semelhança do gnosticismo primitivo. Nenhuma espiritualidade nesta base pode ser aceita, pois a Bíblia declara: “Nisto conhecereis o Espírito de Deus: todo espírito que confessa que Jesus Cristo veio em carne é de Deus e todo espírito que não confessa que Jesus Cristo veio em carne não é de Deus; mas este é o espírito do anticristo, do qual já ouvistes que há de vir, e eis que está já no mundo” (1 Jo 4.2,3).

Mesmo o judaísmo, por mais pontos semelhantes que possua com o cristianismo, teve sua espiritualidade rejeitada ao rejeitar seu Messias. Toda sua expressão religiosa se assemelha a uma linda torre inacabada, que não atingiu o topo almejado por se recusar a receber o que era lhe oferecido:  “Irmãos, o bom desejo do meu coração e a oração a Deus por Israel é para sua salvação. Porque lhes dou testemunho de que têm zelo de Deus, mas não com entendimento. Porquanto, não conhecendo a justiça de Deus e procurando estabelecer a sua própria justiça, não se sujeitaram à justiça de Deus. Porque o fim da lei é Cristo para justiça de todo aquele que crê.” (Rm 10.1-4)

Espiritualidade sem conhecimento real de Deus

Não se deve pensar que porque alguém tem a palavra “Deus” em seus lábios e para ele edifica um altar, verdadeiramente o conhece. Conhecimento religioso não é sinônimo de conhecimento de Deus. Jesus disse à samaritana “Vós adorais o que não conheceis” (Jo 4.22) e Paulo declarou aos atenienses “Esse, pois, que vós honrais não o conhecendo é o que eu vos anuncio” (At 17.23).

Rituais e rótulos não garantem um conhecimento de Deus. Deus é um Deus que se revela, que se mostra. Ele se revelou a Abraão, a Moisés e a muitos outros no decorrer da história. Essa revelação foi registrada por inspiração divina nas Sagradas Escrituras. Se alguém quer conhecer a Deus deve aceitar a revelação que ele fez de si mesmo. Do contrário, o que resta são meras conjunturas humanas ou enganos diabólicos.

Helena Blavatsky, fundadora do movimento teósofico e tida por muitos como a mãe da Nova Era, ao ser questionada sobre se ela acreditava em Deus, respondeu: “Refutamos a ideia de um Deus pessoal, extracósmico e antropomórfico que é apenas a sombra gigante do homem e não do homem em seu melhor aspecto (…) Acreditamos em um princípio divino universal, a raiz de tudo, de onde tudo procede e para onde tudo será absorvido no final do grande ciclo do Ser.”3

De onde vem seu conceito de Deus? Foi ele quem disse isso de si mesmo? Ou não passam de especulações de sua própria mente ou da mente de outros que ela aceitou como verdade? Spinoza, filósofo judeu que fora banido da sinagoga, escreveu em uma de suas cartas: “Tenho uma concepção de Deus e da natureza totalmente diferente da que costumam ter os cristãos mais recentes…” E ainda afirmou que “… os processos mentais e os processos moleculares que constituem a dupla história do mundo – estes, e suas causas e suas leis, são Deus.”4

Ter uma concepção de Deus não é o mesmo que conhecer Deus. Isto sim é o que se pode falar de “um deus criado à nossa imagem e nossa semelhança”. Se rejeito o Deus que criou os céus e a terra, o Deus das Escrituras e o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, então estou adorando minhas próprias concepções, estou adorando uma mentira e o originador deste engano: “O Deus dos cristãos bíblicos não é alguma força da natureza, nem um estado mental, nem uma névoa espiritual ou bola de energia solta no universo, nem um estado de perfeição ou unidade a ser obtida por qualquer esforço de disciplina pessoal. Deus não se acha em alguma coisa. Deus é uma pessoa. Deus é uma personalidade. Deus tem emoções. Deus tem desejos, percepções, vontade, e até mesmo necessidade.”5

Foco errado

“Então, disse-lhe Jesus: Vai-te, Satanás, porque está escrito: Ao Senhor, teu Deus, adorarás e só a ele servirás.” (Mt 4.10)

Cabe dizer ainda que muito da espiritualidade moderna, além de conceber um Deus ao seu gosto e adorá-lo, muitas vezes se desvia para adorações secundárias, de supostos intermediários ou de si mesmo. Não é à toa que um dos gurus orientais que fez grande sucesso nos EUA, Swami Muktananda, declarou: “Deus habita em ti como tu: adora a ti mesmo.”6

Uma oração da Nova Era assim se expressa: “Eu me contato neste instante com minha divina presença Eu Sou / pela presença de Deus em mim e pelo poder magnético do Fogo Sagrado (…) ajudado e orientado pelos Bem-Amados Mestres e Mestras Iluminados, pelos bem amados Arcanjos, Anjos, Elohins e seres intergaláticos. A Deus Pai e Mãe, uno e único: eu quero querer tua vontade.”7

Nem toda poesia, estética e sentimento podem validar uma tal adoração que nada mais é do que um politeísmo real que inclui uma concepção hindu de Deus. O foco definitivamente aqui não é o Deus Criador, mas um misto de eu, entidades espirituais e um deus panteístico.

Relativismo espiritual

Essa pseudoespiritualidade moderna se espalha porque aceita tudo. Não possui critérios de verdade, para distinguir o verdadeiro do falso, nem se preocupa com isto. O que uma pessoa percebe, concebe e aceita, pode ser aceito como verdade, mesmo que conflite com a percepção de outra pessoa. Não há lugar para absolutos. Esta é uma forma de nivelar por baixo qualquer expressão religiosa, desde a bruxaria dos xamãs até um culto evangélico. Tudo é espiritualidade, tudo é divino.

Mas Deus é absoluto em sua natureza: “porque eu, o Senhor, não mudo” (Ml 3.6). Deus não é uma névoa flutuadora, mutável como o pensamento, mas a realidade primeira e última: “Toda boa dádiva e todo dom perfeito vêm do alto, descendo do Pai das luzes, em quem não há mudança, nem sombra de variação” ( Tg 1.17).

As Escrituras ensinam que as coisas possuem uma realidade inerente e absoluta, que não será modificada apenas por simples ideias, palavras ou concepções: “Se o pé disser: Porque não sou mão, não sou do corpo; não será por isso do corpo? E, se a orelha disser: Porque não sou olho, não sou do corpo; não será por isso do corpo?” (1Co 12.15,16).

Esta falsa concepção de Deus e da realidade leva a Nova Era a expressar uma ética completamente relativista, em que o certo e o errado dependem apenas do indivíduo. Mas o bem é bem e o mal é mal independente do que alguém possa afirmar. Chamar o mal de bem e o bem de mal é reprovável aos olhos de Deus (Is 5.20).

Tipos de meditações

Por último, ao abordar essa questão de verdadeira e falsa espiritualidade, cabe falar de meditação. A palavra e a prática ganharam popularidade. Todavia, a meditação bíblica e a meditação proposta pela espiritualidade da Nova Era são distintas.

Assim escreveram dois estudiosos dos movimentos religiosos modernos: “A fim de alcançar a ‘unidade no vazio’, os místicos do ocultismo, na verdade dizem repisar os passos de Deus despedaçando a sua criação tijolo por tijolo, a fim de primeiramente descobrir, e então evaporar-se em seus alicerces”. E ao fazer isto, o místico mergulha na “dissolução da identidade e da individualidade.”8

A meditação bíblica, todavia, contrasta com esta proposta esotérica, e ainda que homônimas com certeza elas não são sinônimas. Vejam por que não:

Enquanto na meditação da Nova Era busca um estado de vazio, na bíblica a mente participa: “A minha boca falará da sabedoria; e a meditação do meu coração será de entendimento.” (Sl 49.3). “Tu conservarás em paz aquele cuja mente está firme em ti; porque ele confia em ti.” (Is 26.3).

A meditação da Nova Era busca o nada, o nirvana, o vazio, enquanto a meditação bíblica tem nos feitos de Deus sua base: “Lembro-me dos dias antigos; considero todos os teus feitos; medito na obra das tuas mãos.” (Sl 143.5).

A meditação da Nova Era está centrada no eu, no ego do homem decaído, enquanto a meditação bíblica está centrada na Palavra de Deus: “Oh! Quanto amo a tua lei! É a minha meditação em todo o dia!” (Sl 119.97). “Os meus olhos anteciparam-me às vigílias da noite, para meditar na tua palavra” (Sl 119.148).

Perigos da falsa adoração

Ninguém confunda religião ou espiritualidade com adoração verdadeira. As modernas tendências de ecumenismo e sincretismo nada mais são do que um assassinato da verdade e um engano diabólico que tem gerado uma espiritualidade no máximo estética, sem nenhum poder salvífico. Paulo teve que pregar o Evangelho em uma sociedade profundamente pagã e por isto advertiu solenemente seus adversários: “Mas que digo? Que o ídolo é alguma coisa? Ou que o sacrificado ao ídolo é alguma coisa? Antes, digo que as coisas que os gentios sacrificam, as sacrificam aos demônios e não a Deus. E não quero que sejais participantes com os demônios. Não podeis beber o cálice do Senhor e o cálice dos demônios; não podeis ser participantes da mesa do Senhor e da mesa dos demônios. Ou irritaremos o Senhor? Somos nós mais fortes do que ele?” (1Co 10.19-22). Fiquemos alertas!


CHANDLER, Russel. Conhecendo a Nova Era. São Paulo: Bom Pastor, p.373.
CAIRNS. Cristianismo através dos séculos. São Paulo: Edições Vida Nova, p.81.
BLAVATSKY, Helena. A sabedoria tradicional. São Paulo: Editora Hemus, p.62.
DURANT, Will. História da filosofia. São Paulo: Nova Cultural, p.177.
LAWHEAD, Alice; LAWHEAD, Stephen. Pilgrim’s Guide to the New Age. Batavia: Lion Publishing, p.214.
CHANDLER, Russel. Conhecendo a Nova Era. São Paulo: Bom Pastor, p.373.
FERREIRA, Cláudio R.B; COSTA, Wagner V. Além do que se vê. São Paulo: Madras, s/p.
A Generation o Wizards: Shamanism and Conctemporary Culture. p.16.

Comentário

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

WhatsApp chat