Introdução

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A consciência jurídica da humanidade é semelhante a uma árvore, ou seja, cresce e se expande, proporcionando amparo e equilíbrio a todos os segmentos da sociedade. Um dos ramos desta árvore alcança a religiosidade humana em alguns dos seus aspectos, como, por exemplo, a história, a cultura e as crenças, subordinando o homem a um “estado de direitos” antes de subordiná-lo à sua própria fé. Com exceção, é claro, dos países cuja sociedade é regida por códigos religiosos, como no caso dos xiitas e da Sharia, código de conduta islâmica.

É absolutamente incomum encontrarmos, nas igrejas cristãs de qualquer denominação, pessoas que esbocem afinidade com as questões legais, ainda que a maioria dos códigos destaque porções seletas de seus estatutos para normatizar a fé dentro do contexto social.

Esta realidade, entretanto, não desperta surpresa quando consideramos que algumas correntes desdenham o conhecimento da própria Bíblia, argumentando, sem qualquer cabimento, que “a letra mata” (2Co 3.6).

Desse despreparo se originam os litígios judiciais que advêm de toda espécie de intolerância religiosa e, de forma oposta, exacerbação na manifestação da crença.

Poderíamos exemplificar essas duas situações à luz da legislação brasileira vigente. Como exemplo, temos o caso de um irmão que, motivado por um ingênuo sentimento de “justiça”, arremete furioso contra um andor que transporta um ícone tido sagrado pelos fiéis que o conduzem.

Em outra oportunidade, a insurreição (ainda que involuntária) contra a chamada “lei do sossego” expõe faltos de sabedoria desavisados às possíveis sanções do Estado. Isso porque crêem descansar sob a égide divina ao ultrapassarem o horário estabelecido pela lei enquanto bradam homilias intermináveis nos cultos ao ar livre.

Conceituar lei a partir da fé implica a aplicação de seus estatutos na própria conduta humana. Então concluímos que a lei moral é uma medida de conduta.

Após sua promulgação, a lei torna-se obrigatória, embora grupos distintos tenham considerações próprias acerca desse ponto, como no caso dos “teonomistas” (“aqueles que são governados por Deus”; “aquele que é ou está sujeito à autoridade divina”), que enxergam legitimidade apenas nas leis divinas, afirmando que o Estado deveria basear seus preceitos legais na norma bíblica.

Já os “eticistas situacionais” (grupo estritamente ético que se acha investido de poder estatal) sustentam que a moral bíblica não pode, por mais límpida que seja, confeccionar indivíduos absolutos neste aspecto, concluindo que mesmo a mais ilibada moral deve ter por parâmetro a regra terrena.

Por último, contemplamos os moralistas (partidários do moralismo, no modo de pensar ou de agir) refletindo sobre a ligação que naturalmente existe entre a lei divina e a lei humana.

Cada um desses conceitos recebeu a apreciação de grandes personalidades da cultura religiosa, especialmente a cristã, entre as quais se destacam Tomás de Aquino e teólogos protestantes e católicos, como João Calvino e Thomas Jefferson.

No que se refere à moral, devemos considerar que a lei se constitui numa medida, numa regra pela qual somos impelidos a proceder ou pela qual, ainda que de forma quase imperceptível, somos levados.

Quanto à aplicação do direito propriamente dita, devemos necessariamente nos basear na literatura secular específica, da qual extrairemos, ipsis litteris, a expressão a “letra da lei”, alicerce único que nos colocará em contato com a lei temporal.

Ainda quanto à aplicação do direito no seio social, temos que quanto maior a adaptação da lei às necessidades sociais, mais facilmente tende a realizar-se sua aplicação. Quanto menor for a adequação da ordem jurídica ao quadro social, mais problemática tende a ser sua aplicação.

A esse posicionamento devemos acrescentar que há uma finalidade clara no que consiste em buscar-se a correta interpretação do direito para aplicação no âmbito da religião, atualizando-se a ordem jurídica de modo a afeiçoá-la às necessidades da maioria do povo.

Além das questões éticas e conceituais do direito comparado à religião, iremos apreciar — para que possamos ter uma maior compreensão do tema — as características devidamente definidas da terminologia empregada na matéria legal. De outra forma, dificilmente chegaríamos ao entendimento dos aspectos técnicos da literatura jurídica, que também se acha estruturada em hermenêutica e exegese.

A importância dessa terminologia reside no fato de que o direito é a ciência da palavra e, mais precisamente, do uso dinâmico da palavra. Essa característica acomoda ainda a questão do vasto emprego de expressões latinas nas sentenças gramaticais jurídicas que podemos observar numa leitura superficial de uma sentença judicial.

Todos esses cuidados devem ser apreciados antes de ingressarmos no âmago da matéria, por isso foram listados sinteticamente nesta introdução, a fim de que o aluno comece a exercer sua localização a partir daqui, evitando que se perca no teor do que segue.