Introdução

A ciência dos futuros — disse Platão — é a que distingue os deuses dos homens, e daqui lhes veio sem dúvida aquele antiquíssimo apetite de serem como deuses. Aos primeiros homens, a quem Deus tinha infundido todas as ciências, nenhuma lhes faltava senão a dos futuros, e esta lhes prometeu o Demônio com a divindade, quando lhes disse: Eritis sicut Dii, scientes bonum et malum [Sereis como Deus conhecendo o bem e o mal]. Mas ainda que experimentassem o engano, não perderam o apetite. Esta foi a herança que nos ficou do Paraíso, este o fruto daquela árvore fatal, bem vedado e mal apetecido, mas por isso mais apetecido, porque vedado.1

As artes divinatórias dizem respeito às práticas de adivinhação e representam uma prática milenar e universal. Adivinhação ou divinação, profecia, previsão, intuição, palpite, pressentimento, é o ato ou esforço de predizer coisas distantes no tempo e no espaço, especialmente o resultado incerto das atividades humanas. A adivinhação busca determinar o significado ou as causas ocultas dos acontecimentos, predizendo o futuro, às vezes, por meio de práticas variadas de consulta aos oráculos.

Em Deuteronômio 18.9-15, temos uma advertência divina contra essas práticas que por si só demonstram sua antiguidade. A antropologia tem identificado nos diversos grupos humanos todo o tipo de arte divinatória, desde as tribos primitivas até as civilizações mais sofisticadas.

Nas religiões afro-brasileiras, o jogo de búzios (conchas) é um exemplo das artes divinatórias, que consiste no arremesso de um conjunto de 16 búzios sobre uma mesa previamente preparada, e na análise da configuração que os búzios adotam ao caírem sobre ela. O adivinho antes reza e saúda todos os Orixás e, durante os arremessos, conversa com as divindades e faz-lhes perguntas. Considera ele que as divindades afetam o modo como os búzios se espalham pela mesa, dando assim as respostas às dúvidas que lhes são colocadas.

No Oriente, como exemplo de arte divinatória, podemos citar I Ching ou Livro das mutações, texto clássico chinês composto de várias camadas sobrepostas ao longo do tempo. É um dos mais antigos e um dos únicos textos milenares chineses que chegaram até os nossos dias. O I Ching pode ser compreendido e estudado tanto como um oráculo quanto como um livro de sabedoria. Na própria China, é alvo do estudo diferenciado realizado por religiosos, eruditos e praticantes da filosofia de vida taoísta.

A ênfase no aspecto oracular do I-Ching variou com o tempo. No século VI a.C., era visto mais como livro de filosofia, ao passo que na dinastia Han, no século II a.C., quando a magia teve grande papel, era visto como oráculo.

Como todo oráculo, o I-Ching exigia a aproximação correta, segundo seus crentes: a meditação prévia, o ritual, e a formulação precisa da pergunta. O oráculo nunca falha, quem falha é o consulente: se a pergunta não foi clara e precisa, isto indica que a pessoa não tem clareza sobre o que deseja saber. O ritual tem a função psicológica de focar a atenção da pessoa na consulta.

Sua operacionalização é de difícil visualização e descrição para aquele que nunca teve contato com a prática. A consulta oracular é feita com 50 varetas (originalmente de “mil folhas” de uma planta sagrada), das quais uma é separada e as outras 49 manuseadas, seguindo seis vezes a mesma operação matemática, para a obtenção da resposta. Dessa manipulação resulta uma linha firme ou uma linha maleável, que podem ser móveis. As linhas firmes são resultado da obtenção dos números 7 ou 8, e as maleáveis vêm dos números 6 ou 9. Destes, 6 e 9 correspondem a linhas móveis que, por estarem prestes a mudar, têm importância na interpretação.

Como vemos nesses exemplos, os povos de maneira geral desenvolveram as artes divinatórias com elementos de sua própria cultura. Em nossos exemplos, conchas (jogo de búzios), e no caso dos chineses, varetas sobre um livro. Portanto, são elementos culturais que resistem às mutações sociais e mesmo religiosas. Tais “artes” foram praticadas ao longo dos séculos, independente dos elementos utilizados ou do grau de desenvolvimento dos povos. Sem exigir qualquer tipo de sofisticação filosófica ou mesmo religiosa, influenciavam as ações de todas as camadas sociais, desde reis e nobres até a gente simples do povo.

Após milênios de práticas divinatórias, o mundo tecnológico moderno não está livre delas. Nada impede que políticos de alto gabarito analisem com sua equipe as tendências estatísticas para as próximas eleições e logo depois se dirijam a jogadores de búzios, cartomantes e outros prognosticadores, a fim de que o ajudem a ver a luz no fim do túnel. Isso já aconteceu em nosso próprio país diversas vezes.

Antigo e Novo Testamento apresentam a luta de profetas e apóstolos contra crendices que conduziam o povo para longe da verdade divina. Nas Escrituras encontraremos diversas formas de artes divinatórias sendo praticadas e fora delas uma quantidade maior ainda. O mundo moderno continua colocando sua fé nas superstições em vez de colocá-la no Deus vivo e em sua Palavra revelada. Nossa missão é expor tais crendices e tais práticas à luz das Escrituras, a fim de ajudar os que a elas estão presos.

Ainda que boa parte dessas práticas seja, na sua grande maioria, falha e não mereça credibilidade, a verdade é que não podemos esquecer o elemento demoníaco que aprisiona pessoas por meio delas. Ainda que muitos a procurem por curiosidade e as considerem como uma “mera ajuda do sobrenatural”, na maioria das vezes, não avaliaram sua natureza. E algumas vezes as consequências são desastrosas, pois além de expô-las ao oculto, também as conduz, muitas vezes, a um envolvimento maior com o demoníaco. E nada que envolva esses elementos pode ser considerado inofensivo.


1 VIEIRA, Pe. Antonio. História do Futuro. Brasília: Senado, 2003.