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Darwin e o nazismo

Ao tentarmos demonstrar a conexão entre as ideias de Darwin e a carnificina nazista, seria injusto vestir o biólogo inglês com o uniforme da suástica. Seria impossível para ele prever os resultados práticos de sua teoria e é provável que se pudesse fazê-lo, ele próprio queimaria seus escritos. Da mesma forma, não seria justo lançar todo peso do absurdo que foi o nazismo sobre a obra “Origem das espécies”, de Darwin, uma vez que razões políticas, econômicas e principalmente místicas estiveram envolvidas. Não estaríamos sendo honestos se assumíssemos essa postura. O darwinismo não foi responsável por tudo o que aconteceu naquele vergonhoso período, entretanto, todo o episódio só foi possível sob a antropologia evolucionista.

Se os fatos científicos relacionados à “origem das espécies pela sobrevivência do mais apto” ainda não estão isentos das controvérsias, os fatos ideológicos ligados a ela são muito evidentes. E esses fatos seus adeptos procuram ocultar. A verdade, porém, é que o nazismo era uma utopia racial e todas as suas atividades cruéis eram justificadas sobre esta base. Não é novidade alguma que já o neocolonismo, isto é, a exploração dos continentes africano e asiático pelas potências europeias, tinha como base o sentimento de superioridade racial, oriunda das ideias de Charles Darwin.

Quem duvida que o racismo extremo culminou na morte de diversos povos por aqueles que se denominavam arianos, basta ler a seguinte declaração de Darwin e perceber o racismo criminoso nele expresso: “Em algum período futuro, não muito distante se medido em séculos, as raças civilizadas do homem vão certamente exterminar e substituir as raças selvagens em todo o mundo. Ao mesmo tempo, os macacos antropomorfos (…) serão, sem dúvida, exterminados. A distância entre o homem e seus parceiros inferiores será maior, pois mediará entre o homem num estado ainda mais civilizado, esperamos, do que o caucasiano, e algum macaco tão baixo quanto o babuíno, em vez de, como agora, entre o negro ou o australiano e o gorila”.1

Não demorou séculos para que isso acontecesse. De fato, em menos de cem anos os arianos estavam tentando exterminar o que consideravam as “raças selvagens”. Além de seu esoterismo pouco referido, não há dúvida de que o nazismo se apoiou na biologia evolucionista para justificar suas ações. E não foi necessária qualquer reinterpretação distorcida de Darwin. A questão estava muito clara em seus escritos.

De fato, a relação entre a biologia darwinista e o nazismo é direta. O genocídio não passava de uma questão biológica, conforme demonstrou Michel R. Marrus em diversas passagens de seu livro A assustadora história do holocausto: “O Nacional Socialismo, disse Rudolf Hess, em um comício de 1934, nada mais é do que biologia aplicada [leia-se darwinismo aplicado]. Em primeiro lugar, para os nazistas, a composição racial dos territórios orientais justificava as políticas mais brutais e cruéis (…) Segundo o psiquiatra Robert Jay Lifton, havia uma particular afinidade entre o nazismo e um ponto de vista médico pervertido, produzindo o que ele chama de ‘visão biomédica nazista’. Analisando ideias de eugenia comuns em grande parte do mundo ocidental nos anos de 1920, essa era a visão de toda a nação alemã como um organismo biológico, que se via ameaçado por um tipo de doença coletiva – uma ameaça potencialmente fatal a uma sociedade antes saudável. A tarefa do nazismo objetivava curar o Volk alemão, eliminando todas as formas de enfraquecimento, transmitidas em particular pelos judeus, mas vistas também nos débeis mentais, nos doentes incuráveis e nos loucos. O objetivo, diz Lufton, era a ‘biocracia’, constituída segundo o modelo da teocracia – um Estado comprometido com a purificação e a revitalização, levada a cabo como que por determinação divina”.2

O nazismo era um biocracia, um governo totalitário e cruel, justificado pela superioridade racial defendida por Darwin. Este fato é inegável. A conexão entre darwinismo e nazismo não é gratuita nem injusta, ela é evidente. Abertamente Hitler declarou: “Temos que criar uma técnica de despovoação. Se você me perguntar o que eu entendo por despovoação, dir-lhe-ei que prevejo a liquidação de unidades raciais, e, fa-lo-ei, pois que vejo nela, a traços largos, a minha missão fundamental. A natureza é cruel e, por este motivo, também nós poderemos ser cruéis. Se eu mando a flor e a nata do povo alemão para uma guerra sem me lamentar, em nenhum momento, o derramamento do valioso sangue alemão no inferno da guerra, também tenho o direito de destruir milhões de homens de raças inferiores, que se multiplicam como parasitas.3

E não vamos parar por aqui em nossa análise. Ainda existe a questão da eutanásia nazista que era baseada no princípio de sobrevivência do mais apto de Darwin. Leiamos o que ele escreveu ainda sobre isso: “Entre os selvagens, os fracos de corpo ou mente são logo eliminados; e os sobreviventes geralmente exibem um vigoroso estado de saúde. Nós, civilizados, por nosso lado, fazemos o melhor que podemos para deter o processo de eliminação: construímos asilos para os imbecis, os aleijados e os doentes; instituímos leis para proteger os pobres; e nossos médicos empenham o máximo da sua habilidade para salvar a vida de cada um até o último momento (…)  Assim os membros fracos da sociedade civilizada propagam a sua espécie. Ninguém que tenha observado a criação de animais domésticos porá em dúvida que isso deve ser altamente prejudicial à raça humana. É surpreendente ver o quão rapidamente a falta de cuidados, ou os cuidados erroneamente conduzidos, levam à degenerescência de uma raça doméstica; mas, exceto no caso do próprio ser humano, ninguém jamais foi ignorante ao ponto de permitir que seus piores animais se reproduzissem.”4

Hoje soa escandalosa essa declaração de Darwin, mas ele a fez. Ele deu justificativa “científica” para a morte de pessoas doentes. Quando Hitler realizou seu plano de eutanásia ele apenas seguia o que a teoria da evolução das espécies pela sobrevivência dos mais aptos havia defendido menos de um século antes.

A política nazista desenvolveu o que foi chamado de “Programa Eutanásico”, que visava eliminar, por meio de uma morte indolor, os doentes mentais incuráveis. Esta ideia foi proposta por Hitler em 1939 e, em 1940, sancionada por lei. Cerca de trinta mil doentes mentais foram mortos. O alvo era de cem a cento e trinta mil pessoas. Foi difícil para o governo explicar para as famílias o desaparecimento ou a morte repentina de todos estes doentes. A polícia secreta tentava de todos os modos evitar que os comentários da população se espalhassem, mas foi impossível ocultar.

Mesmo assim “as carnificinas nestes institutos foram continuadas durante anos, por ordem das leis secretas promulgadas por Frick, Himmler e outros.”5 Aos olhos da teoria da evolução das espécies, estes atos foram apenas consequências biológicas da sobrevivência dos mais aptos. O mais estranho é que fatos tão concretos como esse sequer são comentados por Richard Dawkins, o grande apóstolo moderno do ateísmo. Os que mataram em nome do cristianismo, com certeza desobedeceram ao cristianismo, que nos ensina a amar até mesmo os inimigos. Os que mataram apoiados no darwinismo, apenas fizeram o que o darwinismo instruiu a fazer. Dois pesos e duas medidas – isso é abominação ao Senhor.


Citado no artigo Porque não sou um fã de Charles Darwin, por Olavo de Carvalho, no jornal Diário do Comércio de 29 de fevereiro de 2009
MARRUS, Michael R. A assustadora história do holocausto. Rio de Janeiro: Prestígio, 2006
O julgamento de Nuremberg. Joe D. Heydecker e Johannes Leeb, Editorial Ibis Ltda, 1962.
Porque não sou um fã de Charles Darwin.
Joe Heydecker e Johhannes Leeb, O julgamento de Nuremberg.  Lisboa: Editorial Ibis Ltda, 1962.

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