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razão

Razão e revelação – uma exclui a outra?

Em termos teológicos, revelação “é algo desvendado, trazido à luz, que havia ficado anteriormente oculto ou encoberto à visão”. Deus tem se revelado de vários modos em diferentes tempos (Hb 1.1) ao fazer uma revelação sobrenatural de si mesmo e de seus propósitos e planos, que sob a direção de seu Espírito tem sido entregue por escrito. As Escrituras não são meramente o “registro” da revelação; elas são a própria revelação em forma escrita, de forma acurada para a preservação e propagação da verdade. Isto confere ao assunto do pregador ou profeta de Deus o senso de que tudo o que ele afirma será verdadeiro, sejam fatos, doutrinas ou princípios morais. São verdadeiramente, verdades infalíveis.1 É sobre esta proposição que se assenta a fé cristã.

Em suma, existe um Deus pessoal, Todo-Poderoso, bom, que se comunicou com o homem dentro da História, revelando-se a si mesmo e os seus propósitos. Esta revelação foi registrada de forma verbal e infalível dentro das Escrituras Sagradas. Nela está desvendada a pessoa e a obra de Deus.

Como vimos no artigo “Uma fé chamada ateísmo”, em dado momento da História, alguns filósofos anularam este conceito de conhecimento, relegando-o a uma mera divagação subjetiva que, se tiver algum valor, é muito inferior ao conhecimento científico. Isto significa atacar o cristianismo em suas próprias bases.

O apogeu da razão

Aqueles que abraçaram cegamente o poder da razão, geralmente a viram como único meio válido de conhecimento. A razão seria oposta a qualquer crença religiosa, pois esta pressupõe uma revelação divina, não dependendo da inteligência. Razão e revelação se excluiriam mutuamente.

Os pensamentos racionais, munidos com os dados da experiência empírica (experiência dos sentidos) foram considerados a única forma de conhecimento seguro. Logo, Deus e qualquer assunto religioso perderam sua validade em termos de verdade.

Muitos teólogos, por sua vez, buscaram provar a existência de Deus por meio de argumentos racionais, que nem sempre foram aceitos, pois faziam distinção entre luz natural (da razão) e luz sobrenatural (da revelação).

Os filósofos materialistas

A partir do século 18 começam a surgir diversos pensadores que pouco a pouco negaram a existência de qualquer realidade além da física. O que os sentidos e a razão não pudessem apreender, deveria ser rejeitado como fantasioso. O ateísmo ganhou grande impulso entre os intelectuais.

Entre os principais filósofos e pensadores materialistas, estava o francês Julien de la Mettrie (1709-1751) e os enciclopedistas. Lançaram o materialismo filosófico, doutrina que considera o homem uma máquina e nega a existência da alma.

Um grande inimigo da revelação foi o barão de Holbach (1723-1789). Em certa ocasião ele disse que “se recuarmos ao começo, veremos que a ignorância e o medo criaram os deuses; que a imaginação, o entusiasmo ou o embuste os adornou ou desfigurou; que a fraqueza os venera; que a credulidade os preserva; que o costume os respeita e a tirania os apoia a fim de fazer com que a cegueira dos homens atenda aos seus interesses”.2

Diderot, o principal dos enciclopedistas, afirmou blasfemamente: “os homens só serão livres quando o último rei for estrangulado com as entranhas do último padre”. Dizia que a Terra só atingiria sua independência quanto o céu fosse destruído.

No século 19 surge na Alemanha o materialismo científico, que substitui Deus pela razão ou pelo homem, prega que toda explicação científica resulta de um processo psicoquímico e que o pensamento é apenas um produto do cérebro. Seus principais formuladores são Karl Vogt (1817-1895), Ludwig Büchner (1824-1899) e Ludwig Feuerbach (1804-1872). Esta corrente teve também muita influência sobre a Teologia.

A Revolução Francesa

Talvez o momento histórico em que este antagonismo entre a verdade revelada e o conhecimento racional-científico tornou-se mais evidente foi durante a Revolução Francesa. Assim narra Thomaz Carlyle em sua monumental História da Revolução Francesa: “Naquele dia, mal havia acabado a dança (…) e chegam o procurador e membros dos conselhos municipais e departamentais, e com eles a mais estranha bagagem: uma nova religião! Trazida aos ombros num palanque (…) com coroa de carvalho, aparece Demoiselle Candeille da Ópera, mulher bela de se ver (…) ostentando na mão o cetro de Júpiter (…) Que o mundo repare nisto! Eis ó Convenção Nacional, assombro do universo, a nossa divindade; a Deusa da Razão, digna e única de ser reverenciada. A ela, de hoje em diante, nós adoraremos”3. Naquele dia ainda “seguiu-se a queima pública da Bíblia…” A razão tornou-se uma loucura irracional e nunca, nem antes nem depois, ela foi a panaceia universal que seus idolatradores desejaram.4

A teologia liberal

Foi uma tentativa de harmonizar a Bíblia com o pensamento racionalista nascente. Para estes “teólogos”, as verdades bíblicas não se adaptavam à cosmovisão moderna e precisavam sofrer uma nova interpretação. “Era o resultado da tendência da época de divorciar a teologia da filosofia, a religião do racionalismo filosófico.”5

E qual o resultado disso? Diversos pontos essenciais do cristianismo foram rejeitados, como o nascimento virginal de Cristo, sua divindade, sua ressurreição, os milagres etc. Esse posicionamento radical diante da razão representou um veneno mortal dentro do entendimento das Escrituras. Às vezes era difícil distinguir um ateu de um teólogo. O próprio Frederich Engels, companheiro ateu de Marx, escreveria em seu livro “Schelling, o Filósofo em Cristo”: “Desde a terrível Revolução Francesa, um espírito inteiramente novo e demoníaco entrou em grande parte da humanidade, e o ateísmo levanta sua audaciosa cabeça de um modo tão desavergonhado e insidioso que poder-se-ia pensar que as profecias das Escrituras estão agora cumpridas”. Ele mesmo, Engels, foi posteriormente encaminhado ao ateísmo após ler um livro escrito pelo “teólogo” liberal Bruno Bauer.6

A razão mal usada produziu incredulidade sem par. Ser um livro revelado, não faz das Escrituras, um livro irracional.

A racionalidade da fé cristã

Somos convictos de que a Bíblia foi divinamente inspirada pelo Espírito Santo (2Tm 3.16), com palavras não provenientes da mera sabedoria humana (1Co 2.13), nem da vontade humana (2Pe 1.21). Todavia, isto em nada implica irracionalismo. Aceitar as realidades divinas e espirituais como fazendo parte do universo não tem nada de irracional. O contrário sim é verdadeiro.

Paul E. Little escreveu: “a fé no cristianismo se baseia em fatos. Não é contrária à razão. No sentido cristão, a fé vai além, mas não contra a razão”.7 Por isso é que Pedro disse que devemos responder com mansidão a todo aquele que pedir “a razão da esperança” que há em nós (1Pe 3.15). Também por isso lemos em Provérbios 4.20: “Filho meu, atenta para as minhas palavras; às minhas razões inclina o teu ouvido”. Existe uma razão para nossa esperança. Há uma coerência no plano de Deus conforme revelado na sua Palavra, que está muito longe de ser irracional ou ilógica.

Se a fé cristã avança além da razão, não significa que seja oposta a esta. Significa apenas que seus limites e seu alcance são muito maiores e por isso o pensamento científico não vai jamais responder a todos os anseios do coração humano. “Tal ciência é para mim maravilhosíssima”, disse o salmista, “tão alta que não posso atingi-la” (Sl 139.6). Ser humilde diante da grandeza e complexidade do universo é o primeiro passo que os racionalistas precisam dar.


Notas
1Dicionário Bíblico de Easton, 1897, versão online.
2História da Filosofia. Will Durant, Nova Cultura, 1996, p.226.
3História da Revolução Francesa. Thomas Carlyle, Editora Melhoramentos, s/p; s/d.
4In the Minds of Men. Ian Taylor, TFE Publishing, Minneapolis, MN, 1984, p.34.
5A History of Christian Though. Dr. J. L. Neve, The Muhlenberg Press, 1946, s/p.
6Era Karl Marx um Satanista? Richard Wurmbrand, A Voz dos Mártires, s/p; s/d.
7Evidência que exige um veredicto. Josh McDowell, Candeia, 1996, s/p; s/d.

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