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Cuidado com a Bíblia na boca do diabo

Amigos leitores do Blog SF, em uma outra reflexão, discutimos sobre se devemos ou não receber sectários em casa. Uma vez esclarecidos sobre o assunto, surge uma nova questão concernente ao preparo que devemos ter quando isso acontecer. Sabemos que a Bíblia é o livro mais vendido do mundo, especialmente no mundo ocidental e isso torna as Sagradas Escrituras alvo de muitas conjecturas. É impossível entrar numa livraria ou mesmo banca de jornal e não encontrar logo na capa das publicações alguma intertextualidade com a Bíblia, isto é, alguma alusão a personagens, histórias ou doutrinas bíblicas. A explicação para isso é simples: a Bíblia preserva em si o maior discurso de autoridade, ainda que esse discurso seja muitas vezes distorcido.

Nesse contexto, um fato é incontestável: o emprego da Bíblia atrai as pessoas e dá ibope. Quem não se recorda do estrondo de vendas que foi a obra de Dan Brown, “O código da Vinci”, anos atrás? Qual foi a estratégia do autor? Simples: encher seu enredo de questões teológicas, distorcendo completamente a história e os fatos. No artigo a seguir, veremos como até o próprio diabo não resiste ao uso da Palavra de Deus para tentar conquistar seus próprios intentos.

O salmista nos ensina a reter as sagradas letras em nossos corações para não pecarmos contra o Senhor (Sl 119.11). Um conselho simples de entender e, talvez, não tão simples de praticar, mas que, reconhecidamente, pode nos assegurar uma vida cristã aprazível diante de Deus. É por isso que todo cristão tributa reverência à Palavra de Deus, pois identifica sua divina inspiração e sabe que ela é “lâmpada para os seus pés” (Sl 119.105). Que outra “isca” poderia desfrutar de tamanha atratividade e autoridade entre os crentes? O diabo, conhecedor dessa primazia, utiliza-se com eficácia da Bíblia para ludibriar as pessoas. Ele se vale da “lâmpada” que deveria iluminar os caminhos da humanidade para escurecê-los, conduzindo a todos quanto pode às trevas do abismo (1Pe 5.8).

Na verdade, esta é uma estratégia tão lógica quanto antiga e foi pretensiosamente empregada pelo diabo já no jardim do Éden. Satanás usou as palavras empregadas pelo próprio Deus ao tentar a mulher, perguntando-lhe: “É assim que Deus disse: Não comereis de toda a árvore do jardim?” (Gn 3.1). Com o êxito obtido não é de se estranhar que ele tenha repetido sua estratégia muitos anos depois, ousadamente, contra o próprio Filho de Deus!

Leiamos o texto bíblico selecionado: “Então foi conduzido Jesus pelo Espírito ao deserto, para ser tentado pelo diabo […] Então o diabo o transportou à cidade santa, e colocou-o sobre o pináculo do templo, e disse-lhe: Se tu és o Filho de Deus, lança-te de aqui abaixo; porque está escrito: Que aos seus anjos dará ordens a teu respeito, e tomar-te-ão nas mãos, para que nunca tropeces em alguma pedra [citação do Sl 91.10-12]. Disse-lhe Jesus: Também está escrito: Não tentarás o Senhor teu Deus [citação de Dt 6.16]” (Mt 4.1,2,5-7).

“Está escrito”. Estas são palavras que abrem caminhos para o diálogo interreligioso. Porventura não é isso que dizem aqueles que vêm às nossas portas todos os domingos matinais? Não é isso que prega a grande maioria das seitas? Aliás, não é isso que nós mesmos afirmamos ao apresentarmos o evangelho a alguém? Está escrito! Acertadamente ou erroneamente, o fato é que muitos utilizam a mesma moeda.

Perceba a forma sorrateira como as coisas ocorrem. Até mesmo os grupos que defendem crenças esotéricas orientais não resistem ao apelo dessa tática, pois, por mais rudimentar e óbvia que pareça, ela é funcional. É funcional porque muitos não conhecem a Palavra de Deus de forma satisfatória. É funcional porque muitas escolas bíblicas dominicais estão vazias. É funcional porque poucos líderes incentivam os membros de sua igreja ao desenvolvimento de um curso teológico. É funcional porque culto de ensino não dá quórum.

Enquanto outros elementos (também importantes) do culto são supervaloriza- dos, o ensino é menosprezado. Perseguimos a graça, abandonamos o conheci- mento (2Pe 3.18), e, como consequência, nos tornamos crentes sem equilíbrio entre estes “pólos”. Mas nesse ínterim alguém poderia objetar entendendo que esta é uma colocação imprópria, pois, na verdade, não se trata de pólos, mas de elementos que se complementam. Mas, lamentavelmente, é assim que eles são verificados na prática, como pólos, como se fossem um a oposição do outro. Qual é a implicação dessa conduta?

Vulnerabilidade. Esta palavra resume a situação do crente que não conhece e não se importa em aprender as doutrinas bíblicas. É vulnerável. Está suscetível à persuasão por meio dos argumentos mais banais, apesar de nem sempre os argumentos serem tão simples e tolos. Há muitos peritos na invenção de estranhas interpretações bíblicas capazes de fazer hesitar até mesmo os mais preparados teólogos.

O caminho dos crentes vulneráveis é vacilante porque não possuem alicerces. E, por conta disso, crente assim é alguém que corre risco de morte, e morte eterna. Basta um prosélito dizer “está escrito” e suas convicções estremecem, a aposta- sia dá início ao seu processo e sua concepção torna-se uma questão de tempo, pouco tempo. Lembre-se, a distorção do texto bíblico por meio de acréscimos ou decréscimos sempre será evidente entre as seitas, embora alguns não enxerguem isso tão claramente.

Discernindo as coisas desta forma, podemos classificar a ignorância das dou- trinas bíblicas como uma enfermidade, forte indício de imaturidade da fé. O escritor aos hebreus censura os crentes que deveriam possuir grande cabedal de conhecimentos, mas ainda permaneciam na condição de principiantes: “Porque, devendo já ser mestres pelo tempo, ainda necessitais de que se vos torne a ensinar quais sejam os primeiros rudimentos das palavras de Deus; e vos haveis feito tais que necessitais de leite e não de sólido mantimento. Porque qualquer que ainda se alimenta de leite não está experimentado na palavra da justiça, porque é menino” (Hb 5.12,13).

Como Jesus se comportou diante das palavras do diabo? Ele empregou a interpretação da Bíblia pela Bíblia: Scriture sacre sui ipsius interpres, ou seja, “a Sagrada Escritura se interpreta a si própria”. Respondeu ao “está escrito” do diabo com um “também está escrito”, igualmente contido nas Escrituras Sagradas. Será que temos tal habilidade? Talvez a resposta seja “não”. Mas o que estamos fazendo para mu- dar este estado? Se a resposta permanecer negativa, então a situação é grave e precisa ser remediada com emergência.

O que faríamos se nos deparássemos com “a Bíblia na boca do diabo?” Uma citação bíblica distorcida só pode ser respondida com conhecimento integral das Escrituras. Até quando trocaremos “o sólido mantimento” pelo “leite da infância”? Cuidado, esta não é uma situação que pode ser sustentada por longo tempo!

Comentário

  • flaviasoeiro
    Responder

    Muito bom o texto. Muitos irmãos parecem que estão “dormindo”. Parece que a liberdade que temos em nosso país, tem gerado em nós um comodismo tal, que nem para o básico, como ir a escola dominical, os crentes têm disposição.

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