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A BÍBLIA CONCORDA COM A PENA DE MORTE?

São muitas as questões envolvendo a pena de morte. É um debate de séculos e qualquer espaço seria pequeno para resolver. Por isso, nossa questão tem um foco: A Bíblia apoia a pena de morte? Outras questões devem ficar de fora. Se ela é viável hoje no Brasil, se um cristão deve aprova-la, se ela é uma solução adequada para a criminalidade – são outros pontos que requerem novos diálogos.

            Usemos a definição da Enciclopédia Britânica, “pena de morte ou pena capital é a execução de uma sentença de morte, imposta por uma corte competente”. Dentro dessa breve definição exclui-se a idéia de mortes punitivas sem o julgamento prévio das autoridades devidamente qualificadas. Pena de morte significa, assim, a punição máxima imposta pelo Estado aos crimes considerados hediondos.  Foi instituída com a finalidade de eliminar o delinquente da sociedade.

            Ao tentar responder nossa pergunta o mais importante é buscar o que a Bíblia diz e não o que nossos sentimentos dizem. Não podemos nos esquecer que ao longo da história a pena de morte sempre pareceu algo muito natural, inclusive em países de forte influência cristã e só recentemente essa postura foi mudada.

O QUE DIZ O ANTIGO TESTAMENTO

            Não há dúvida de que Deus instituiu a pena de morte quando disse a Adão: “mas da árvore da ciência do bem e do mal, dela não comerás; porque, no dia em que dela comeres, certamente morrerás” (Gn 2.17). A morte como recompensa do pecado é um ponto que atravessa toda a Bíblia de modo incontestável (Ver Ez 18.4 e Rm 6.23)

            Isto não quer dizer que não houvesse atenuantes ou que em muitos casos a misericórdia divina ou humana não se manifestou. Quer apenas dizer que a punição com morte é um pensamento recorrente no Antigo Testamento desde o seu princípio.

            Alguém poderia dizer que a morte aqui descrita tem um sentido geral, universal e não se adequa à definição de pena de morte como “execução de uma sentença de morte, imposta por uma corte competente”. Todavia, em suas palavras à Noé, Deus deixa clara a punição com morte aos homicidas: “Quem derramar o sangue do homem, pelo homem o seu sangue será derramado” Gn 9.6).

            Esta ordem divina só tem sentido se a morte do homicida for tomada dentro de princípios de ordem e justiça, pois do contrário quem matar o homicida também deve ser morto, e assim por diante. Por esse motivo, esse momento é entendido como o governo humano, quando Deus dá ao homem o direito de julgar de modo devido as transgressões ocorridas em seu meio.

            Talvez a maior evidência de que Deus sancionou a pena de morte seja sua presença constante na Lei Mosaica. Não podemos esquecer que esses estatutos eram a “Constituição Federal” da nação escolhida por Deus e que na obediência a esses mandamentos estava sua garantia de subsistência.

            Na lei de Moisés encontramos a pena de morte como punição para os seguintes delitos:

  1. Culto a outros deuses (Êxodo 22.20); 2) Idolatria (Deuteronômio 17.2-5); 3) Furto (Deuteronômio 24.7); 4) Adultério (Levítico 20.10-12); 5) Homossexualismo (Levítico 20.13); 6) Relações com animais (Levítico 20.15, 16); 7) Incesto (Levítico 20.14-19); 8) Estupro (Deuteronômio 23.22-27); 9) Feitiçaria (Êxodo 22.18); 10) Transgredir o Sábado (Números 15.32-36); 11) Consultar os mortos (Levítico 20.27); 12) Homicídios (Levítico 24.17, Êxodo 21.12, 14); 13) Blasfêmia (Levítico 24.10-16); 14) Sequestro (Êxodo 21.16); 15) Amaldiçoar pai ou mãe (Levítico 20.9)

Como vemos é uma lista bastante extensa, contendo uma severidade rígida contra vários tipos de pecados sociais e espirituais.

O QUE DIZ O NOVO TESTAMENTO

            E quanto ao Novo Testamento, onde a graça toma o lugar da Lei e estabelece novos princípios éticos para a humanidade? Podemos encontrar no Novo Testamento apoio à pena capital?

            No Novo Testamento encontramos diversos indícios de tratar-se de prática no mínimo tolerada, quando não plenamente justificada. Embora existam aqueles que consideram a pena de morte incompatível com a moral cristã, a verdade é que não há nos escritos dos apóstolos objeções à sua aplicação por parte das autoridades.

            O próprio Jesus, de certa forma, reafirmou o princípio da pena máxima  no seu Sermão da Montanha. É só observarmos atentamente. Ele disse: “Não penseis que vim revogar a lei ou os profetas: não vim para revogar, vim para cumprir… Ouviste o que foi dito aos antigos: não matarás e quem matar estará sujeito a julgamento [pena de morte]. Eu, porém, vos digo que todo aquele que ( sem motivo) se  irar contra seu irmão estará sujeito a julgamento” (Mt 5: 17, 21, 22). Dessa forma ele tornou o mandamento ainda mais rígido.

            Temos ainda o caso de Ananias e Safira, que embora não tenha se tratado de um julgamento sumário, sofreram a morte direta da parte de Deus devido ao seu pecado, conforme Atos 5.1-11. Talvez se analisarmos todos os aspectos sua punição não se encaixa em tudo o que a Bíblia expõe sobre pena de morte. Todavia, é apenas um exemplo de como a morte dos infratores foi aplicada no Novo Testamento.

Mesmo o apóstolo Paulo, em seus inúmeros comparecimentos diante das autoridades judaicas e romanas jamais contestou a pena de morte como indevida ou ilegal. Sua alegação era de inocência, não de que a pena de morte não fosse um castigo possível de ser aplicado. Aliás, em sua defesa perante Festo ele parece sancionar esse tipo de punição, pois disse: “Se eu cometi algum erro e fiz qualquer coisa digna de morte, não recuso morrer.” (Atos 25.11).

Também na epístola aos Romanos, Paulo faz sua exposição quanto ao valor do governo humano e nele deixa implícito o direito do Estado tirar a vida do indivíduo:

Toda alma esteja sujeita às autoridades superiores; porque não há autoridade que não venha de Deus; e as que existem foram ordenadas por Deus. Por isso quem resiste à autoridade resiste à ordenação de Deus; e os que resistem trarão sobre si mesmos a condenação. Porque os magistrados não são motivo de temor para os que fazem o bem, mas para os que fazem o mal. Queres tu, pois, não temer a autoridade? Faze o bem, e terás louvor dela; porquanto ela é ministro de Deus para teu bem. Mas, se fizeres o mal, teme, pois não traz debalde a espada; porque é ministro de Deus, e vingador em ira contra aquele que pratica o mal. Pelo que é necessário que lhe estejais sujeitos, não somente por causa da ira, mas também por causa da consciência. Por esta razão também pagais tributo; porque são ministros de Deus, para atenderem a isso mesmo. Dai a cada um o que lhe é devido: a quem tributo, tributo; a quem imposto, imposto; a quem temor, temor; a quem honra, honra. (Romanos 13.1-7).

Este texto concede ao Estado poderes para aplicar a pena de morte. Ele fala de condenação para aqueles que não se sujeitam às autoridades. E essa condenação é descrita como espada e como vingança contra o malfeitor. Não existe uma crítica e sim concordância com o direito do governo de punir os malfeitores com a “espada” o que só pode ser entendido como pena capital. Pedro em sua primeira epístola faz eco a esse poder do Estado em castigar os malfeitores: Sujeitai-vos a toda autoridade humana por amor do Senhor, quer ao rei, como soberano, quer aos governadores, como por ele enviados para castigo dos malfeitores, e para louvor dos que fazem o bem. (1 Pedro 2.13, 14)

Só podemos concluir que a pena de morte foi entendida naturalmente no Novo Testamento. Nunca a encararam como uma crueldade ou forme de maldade, mas sim como um julgamento justo, tanto se exercida por autoridades judaicas ou gentílicas. Mesmo que a um cristão compete virar o rosto e a perdoar, não significa uma anulação do poder do Estado de punir conforme suas leis.

OBJEÇÕES

            Claro que há objeções. Algumas delas são coerentes, outras nem tanto. Muitas dessas objeções não se relacionam ao que a Bíblia diz, mas apenas com questões práticas como a possibilidade de falha nos processos jurídicos, morte de inocentes, crueldade para com os culpados, etc. Estas não são questões diretamente bíblicas, mas também não impediram a instituição da pena capital por parte de Deus. Todavia, esses e outros pontos precisam com toda certeza ser levados em consideração.

PENA DE MORTE NA PRÁTICA

            Mesmo o fato de a Bíblia declarar válida a pena de morte não resolve a questão se uma nação deve legalizar tal ato. Em certo sentido, a relação da nação israelita com Deus sempre foi singular. Em muitas nações, inclusive, a pena de morte pode servir justamente a propósitos contrários aos de Deus. Nos países comunistas, por exemplo, a pena de morte era aplicada aos que queriam servir a Deus. Em países islâmicos, de forma semelhante, a pena capital se aplica à cristãos que querem obedecer a Deus.

            Ainda é preciso levar em conta que o Novo Testamento não é uma legislação para as nações, mas para indivíduos dentro do Reino de Deus. Sua aceitação à pena de morte está mais ligada à aceitação das condições presentes ao seu redor do que uma aprovação irrestrita. Com certeza, decretar ou executar a pena de morte não é algo que cabe ao Corpo de Cristo para seus assuntos internos.

CONCLUSÃO

            Não é fácil resolver a questão. No entanto, não devemos condenar aqueles que como cristãos possam apoiar a pena de morte. Eles não estarão fazendo isso de forma contrária às Escrituras. Apenas estarão aplicando as Escrituras à situação ao seu redor. Os que discordam o farão por entender dificuldades reais nessa aplicação. De qualquer forma, ninguém pode negar que a pena de morte é um elemento presente na Bíblia. Na verdade, um sistema prisional como o que temos hoje jamais foi previsto na lei de Moisés. Criminosos sustentados pelo Estado, com dinheiro dos cidadãos de bem, muitas vezes vítimas desses mesmos criminosos, também não reflete uma verdadeira justiça.

Podemos encerrar com o comentário de R.N. Champlin sobre Romanos 13.4, onde ele diz:

A Bíblia naturalmente não se opõe à pena de morte e em vários trechos em que se refere à sua aplicação, dá apoio à sua legitimidade e necessidade. Não obstante, não cabe aos teólogos decidirem se essa lei deve ser aplicada ou não em qualquer sociedade. Se uma cultura qualquer acha por bem eliminar essa forma de punição, muito bem. Debaixo de Deus, essas culturas têm esse direito. Isso fica subentendido nesta passagem,  porquanto os magistrados, os legisladores, recebem poderes por decretos divinos, embora possam dele abusar. É claro, com base nesta passagem, que a punição capital é sancionada pelas Escrituras. Ao mesmo tempo, sua abolição não é excluída, tal como a abolição da escravatura não estava excluída, se o desenvolvimento do princípio cristão assim parecesse exigir. Porém, se a punição capital deve ser ou não abolida, isso é um questão que cabe a juristas, publicistas e estadistas decidirem. Os teólogos, como tais, não têm o direito de tomar decisões em favor de uma ou outra coisa.[1]


[1] CHAMPLIN, R. N. O Novo Testamento Interpretado versículo por versículo, São Paulo: Candeia, p.828

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